"A scientist shouldn't be asked to judge the economic and moral value of his work. All we should ask the scientist to do is find the truth - and then not keep it from anyone." Arthur Kornberg

terça-feira, janeiro 30, 2007

The Duel of the Amino Acids!

Há uma quantidade fantástica de biomoléculas no nosso organismo. Os homens catalogaram-nas de forma mais ou menos compreensível, de maneira a poderem falar uns com os outros sobre elas. Assim, temos lípidos, proteínas, ácidos nucleicos e glúcidos. Se tiver tempo ou precisar de estudar (que é o caso) logo cá virei escrever umas palavras sobre os grupos 1, 3 e 4, dos que falei. Hoje é o 2: proteínas. E quem diz proteínas diz... vejamos: como se forma uma proteína? Em traços muito gerais, porque isto pode ser muito mais pormenorizadamente encontrado em livros ou sítios da interrede (InR). Têm vários níveis de estrutura:

Primário - corresponde à cadeia polipeptídica linear (+NH3 - res.a.a. - res.a.a. - res.a.a. - res.a.a. - ... - res.a.a. - COO-);

Secundário - enrolamento 3D da estrutura primária, mais abundantemente em hélice-alfa ou folha pragueada beta, embora possam existir outras conformações. Escreve-se, por vezes, a expressão superestrutura secundária para designar os domínios mas este último termo é mais corrente;

Terciário - folding da estrutura secundária, habitualmente em forma globular embora também se encontrem in vivo outras formas: alongada, oval, irregular, etc.;

Quaternário - associação 3D de vários monómeros com nível terciário de estrutura.

O nível terciário é obtido com a ajuda de moléculas proteicas especiais chamadas chaperones e chaperoninas que promovem o folding da proteína e originam o enrolamento da estrutura secundária.

Qualquer proteína, independentemente da sua localização intra ou extracelular e função, sofre agressões químicas e precisa de ser substituída de tempos a tempos. Esta substituição passa por um efeito de proteólise, catalisada por proteases, que degrada a proteína nos seus aminoácidos (a.a.) constituintes. E são estes a.a.'s que dão o nome a este post.

O que acontece então aos a.a.'s? Quais as formas de obtenção dos a.a.'s? Em primeiro lugar depende do ser vivo de que estamos a falar. Trata-se de uma bactéria? Um protista? Um fungo? Uma planta? Ou de um animal? Em cada um destes seres vivos o metabolismo dos a.a.'s é ligeiramente diferente e não só pela simples diferença de organismo como também pela própria situação metabólica desse organismo. Precisará de energia? Terá excesso de a.a's? Poderão as células armazenar a.a.'s para posterior utilização?

De facto os a.a.'s não são armazenados pelas células. O metabolismo é semelhante nos organismos com ciclo do ácido cítrico, TCA (nas plantas os a.a.'s não sofrem degradação para fins energéticos; têm fins puramente biosintéticos) como algumas bactérias, aves e répteis, mamíferos e peixes ósseos. Contudo, a eliminação do azoto dos organismos é ligeiramente diferente em cada caso. Por exemplo, os mamíferos libertam azoto na urina sob a forma de ureia, enquanto que as aves e répteis o libertam sob a forma de ácido úrico e os peixes ósseos sob a forma de amónia (NH4+). Os primeiros passos da via degradativa dos a.a.'s são, ainda assim, muito semelhantes: transaminação com um alfa-oxoácido com libertação de amónia e um esqueleto carbonado. O esqueleto carbonado segue para o TCA onde é incorporado dando origem a equilaventes redutores, NADH e FADH2, que seguem para a cadeia transportadora de electrões na membrana interna mitocondrial, levando à formação de ATP e água (e produtos laterais de todo este metabolismo, como, por exemplo, dióxido de carbono, CO2). A amónia, entretanto, é convertida a fosfato de carbamilo e entra no ciclo da ureia, no caso dos mamíferos, donde sai sob a forma de ureia, como o nome do ciclo indica. Alguma amónia pode ser usada na biossíntese de a.a.'s e nucleótidos. Existe ainda um shunt entre o ciclo da ureia e o TCA, que é o shunt aspartato-arginino-succinato (asp-arg-suc) que eu ainda não sei muito bem como funciona, mas hei-de averiguar.

Por hora é tudo, porque foi o que vi do metabolismo dos a.a.'s. Até breve :)

segunda-feira, setembro 11, 2006

TVC - Notícias: HIV

Vacina contra o VIH apresenta os mais promissores resultados de sempre
04-09-2006 16:02
Lúcia Vinheiras Alves


Vacina genética contra o Vírus da Imunodeficiência Humana demonstra, pela primeira vez, os melhores resultados de sempre. Cientistas do Karolinska Institute apresentam resultados, da primeira fase dos testes clínicos, na Conferência AIDS Vacine 2006, em Amesterdão.

É uma vacina genética porque utiliza partes do ADN do vírus para estimular a produção endógena de proteínas que o ADN injectado vai codificar. É também a primeira vacina para a imunização contra o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), que está na origem da SIDA, a apresentar num estudo clínico os resultados mais promissores de sempre: 90% dos indivíduos desenvolveram resistência ao vírus.«Nunca um resultado tão bom foi observado com uma vacina deste tipo», afirma Eric Sandström, médico do Karolinska University Hospital que em colaboração com investigadores do Karolinska Institute e do Swedish Institute for Infectious Disease Control (SMI) estão a desenvolver os testes clínicos em indivíduos suecos saudáveis.Os testes clínicos estão ainda numa primeira fase mas os resultados, apresentados na Conferência AIDS Vacine 2006, realizada em Amesterdão, já são surpreendentes. A vacina apresenta um grande índice de eficácia e até agora não foram relatados efeitos secundários. No estudo, os cientistas indicam que a vacina foi administrada em três doses, sendo que os indivíduos foram submetidos a um reforço da vacina após 9 meses.Os especialistas indicam que na quarta dose (reforço) partes do ADN do VIH foram integradas no vírus vaccinia (da varíola bovina), a qual é produzida pelo National Institutes of Health, nos EUA, e posteriormente doada para o estudo sueco. Também o tipo de administração da vacina está a ser testado, através de métodos de injecção intramuscular e intradérmica.«A nossa vacina é desenhada de forma a ser capaz de proteger contra muitos dos tipos de VIH em circulação na África e no Ocidente», refere Britta Wahren do SMI/KI, citada em comunicado do Karolinska Institute. A primeira fase dos testes clínicos está a ser desenvolvida na Suécia mas os especialistas esperam começar a segunda fase na Tanzânia, em Outubro. Ao fazê-lo os especialistas querem compreender se a vacina actua em indivíduos africanos da mesma forma que actuou nos suecos.
Fontes/Bibliografia:

quarta-feira, agosto 30, 2006

Varíola (Smallpox, em inglês, ou Bexigas, desusado)

A varíola é uma doença infecciosa aguda e contagiosa causada por um vírus da família do ortopoxvirus, geralmente chamado vírus da varíola. Foi, em tempos, uma das doenças mais temidas no mundo dada a sua potencialidade letal. Pensa-se que terá surgido há cerca de 3000 anos, na Índia ou no Egipto, tendo sido uma das doenças mais devastadoras que a humanidade já conheceu ao longo dos séculos, não lhe sendo conhecidos quaisquer vectores para além dos seres humanos. Sem tratamento eficaz conhecido, a varíola matou 30% dos infectados e deixou marcadas cicatrizes em 65-80% dos sobreviventes, habitualmente mais proeminentes na face. A cegueira chegou a ser uma das principais consequências da doença. Em 1798, Edward Jenner mostrou que a inoculação de um indivíduo com vacínia (cowpox, em inglês: o equivalente à varíola nas vacas) podia protegê-lo contra a varíola humana, trazendo a primeira esperança de que a doença pudesse vir a ser controlada. Entre 1950 e 1967 (cerca de 150 anos após a introdução da vacinação) registou-se um decréscimo de cerca de 75% nos casos registados de infecção. Nesse mesmo ano (1967), a OMS (Organização Mundial de Saúde, WHO – World Health Organization, em inglês) deu início a um programa de erradicação da doença através do uso da vacinação global com a colaboração de vários centros de saúde e hospitais por todo o mundo. Através do sucesso desta erradicação em larga escala, a varíola foi circunscrita a apenas uma zona do continente Africano e depois a um último caso natural registado na Somália em 1977. Desde então o único caso registado foi causado por um acidente num laboratório em Birmingham, UK, em 1978, causando uma morte e um surto limitado da doença, imediatamente controlado. A palavra final da comunidade científica sobre a erradicação da doença ocorreu em 1979 após certificação baseada numa verificação intensa das actividades em todos os países do mundo por uma comissão de cientistas. O desaparecimento da varíola foi reforçado logo no ano a seguir, 1980, numa assembleia da OMS. Desde então a maior parte dos países já suspendeu a vacinação uma vez que não subsiste o perigo de contracção da doença, afastados que estamos quase 30 anos do último caso registado, e dado o risco de encefalite devido à vacina. O vírus não é mantido em mais de quatro laboratórios em todo o mundo, pronto a ser utilizado no fabrico de vacinação caso alguma vez volte a ser necessário.




(continua…)


Fontes/Bibliografia:

  1. Manuila, L. e A., Lewalle, P., Nicoulin, M., Dicionário Médico, 2ª ed., Climepsi Editores, 2001, Lisboa;
  2. Vários Autores, Enciclopédia de Medicina, Volume 2 (I-Z), 1ª ed. portuguesa, Selecções do Reader’s Digest, 1993, Lisboa;
  3. "Smallpox", Encyclopaedia Britannica, Inc., DVD-ROM, Chicago, USA, 1994-2001.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Sobre o Herpes Zoster (Zona)

Talvez pareça desnecessário um comentário sobre a razão deste post mas aqui fica, mais que não seja para me lembrar mais tarde, se a memória não me fizer esse favor.

Uma amiga contou-me que o pai estaria provavelmente a sofrer de zona. Digo provavelmente porque lhe faltava, na altura, a consulta médica de confirmação.

E era, de facto. Zona ou Herpes Zoster, para ser correcto (a primeira é uma denominação mais popular). Na altura disse-lhe que havia uma relação da doença com a mononucleose infecciosa, vulgarmente conhecida como “doença do beijo”. Mas não estava certo. Essa é causada por um vírus diferente, o EBV (Epstein-Barr vírus). Já não me lembro por que razão associei as doenças na altura. O Herpes Zoster (HZ) está de facto relacionado com uma doença conhecida, que contraímos usualmente na infância: a varicela. A relação é simples, o vírus é o mesmo. É de uso corrente a denominação varicella zoster (VZV) mas parece-me que o nome mais moderno do vírus seja herpesvirus humano 3 (HHV-3). Os tipos 1 e 2 são responsáveis pelo herpes simples; o tipo 4 pela mononucleose infecciosa (Aha! Eu sabia que havia uma relação! — é que estou a fazer pesquisa à medida que escrevo…) e o tipo 5 por infecções diversas e, muitas vezes, graves: hepatite, pneumonia, etc. Mas não me quero dispersar demasiado.

Este HHV-3 pode não ser totalmente eliminado quando temos varicela em criança. Às vezes, alguns elementos do grupo que originou a doença mantêm-se latentes dentro de gânglios nervosos por um período que pode ir de alguns meses a muitos anos, voltando a manifestar-se já na idade adulta. Não se sabe ao certo a razão desta “reactivação” (é um bom tema de investigação!) mas pensa-se que esteja relacionada com situações de stress, envelhecimento ou deficiências momentâneas ou permanentes do sistema imunitário. Na maior parte das vezes a recorrência do HHV-3 só se verifica uma vez.

O vírus instala-se no sistema nervoso periférico (SNP) e causa mazelas extremamente desconfortáveis. Ora, tudo o que afecta a condução nervosa é problemático, uma vez que se faz sentir. Neste caso o vírus encontra caminho através do nervo próximo do qual está alojado, até à superfície do corpo (pele) provocando inflamação do nervo e erupção cutânea, o que dá origem, na maioria dos casos, a dores muito fortes. Geralmente ocorre a formação de pequenas bolhas, a partir das erupções cutâneas, contendo o vírus. Passados alguns dias estas bolhas ulceram, tornam-se amareladas e sofrem uma espécie de esclerose (ficam mais duras, formando uma crosta). As crostas acabam por cair, passadas algumas semanas mas deixam cicatrizes nos locais donde partiram. Isto não é, no entanto, o pior da doença. O pior vem depois. Uma vez lesados, os nervos produzem constantemente fortes impulsos nervosos que são encaminhados para o cérebro, transmitindo à pessoa uma forte sensação de dor. Esta situação pode durar meses ou anos, dependendo da idade e saúde da pessoa. É costume o aparecimento da doença ser unilateral, ou seja, assimétrico (só ocorre num lado do corpo, na área afectada). Isto acontece porque o vírus se manifesta no troço nervoso na zona do gânglio de onde partiu, não alastrando para outras regiões. Surge habitualmente no tronco, seja nas costas ou no peito e, por vezes, no pescoço e face. No caso de surgir na face, a doença recebe um epíteto: Herpes Zoster Oftálmico e pode, em casos graves, não tratados, levar à cegueira.

A doença costuma desaparecer por si, por isso, em casos simples, não são administrados quaisquer fármacos, exceptuando-se, eventualmente, um analgésico para ajudar a suportar as dores. Por vezes administra-se um fármaco antiviral chamado Acyclovir, o qual resume um pouco os efeitos da doença. A inflamação pode ser combatida através do uso de corticosteróides (análogos das hormonas produzidas pelas glândulas supra-renais e que intervêm na defesa do organismo). No entanto, estas medidas variam de pessoa para pessoa, consoante factores como o tempo de detecção, a idade e a saúde.


Fontes/Bibliografia:

  1. http://www.nlm.nih.gov/medlineplus/ency/article/000858.htm;
  2. http://en.wikipedia.org/wiki/Herpes_zoster;
  3. Manuila, L. e A., Lewalle, P., Nicoulin, M., Dicionário Médico, 2ª ed., Climepsi Editores, 2001, Lisboa;
  4. Vários Autores, Enciclopédia de Medicina, Volume 1 (A-H), 1ª ed. portuguesa, Selecções do Reader’s Digest, 1993, Lisboa.

sexta-feira, julho 14, 2006

Um pouco de cinética química…

Há algumas definições às quais não podemos dar a volta, por mais que queiramos. O nosso nome, por exemplo, é uma definição: é-nos dado quando nascemos e, salvo raras excepções, ninguém o muda no curso da sua vida. Dizer que “1 mais 1 são 2” também parece ser uma regra bem estabelecida; sabemos que 1 é a unidade e sabemos que se juntarmos uma unidade com outra obtemos duas unidades e, se lhes juntarmos mais uma, ficamos com três e assim sucessivamente. Claro que, a partir de um conjunto simples de regras, rapidamente encontramos mais regras, derivadas das associações entre as primeiras. Assim, podemos dizer que se, em vez de uma unidade, juntarmos duas unidades a outras duas, obtemos certamente quatro unidades e se juntarmos três unidades a outras três obtemos seis unidades e por aí fora. A palavra “juntar” pode ser substituída pela palavra “adicionar” e, daqui – se quisermos dar um nome à regra – chamamos-lhe regra da adição. Desta regra, no entanto, podemos tirar mais: é que adicionar uma unidade a outra significa adicionar duas vezes a mesma unidade. Adicionar duas unidades a outras duas significa adicionar duas vezes duas unidades. E, bem, só para ser diferente, se adicionarmos três unidades a outras três unidades e a mais outras três unidades significa adicionarmos três vezes três unidades. Daqui tiramos uma outra regra a que chamamos regra da multiplicação. Na verdade verificamos que a multiplicação é um caso especial da adição. Mais ainda, a exponenciação é um caso especial da multiplicação: se multiplicarmos um número a n vezes é o mesmo que elevarmos a ao expoente n, an. Isto, claro, não tem aparentemente nada a ver com cinética química porque as pessoas às vezes se esquecem de que, no que toca ao conhecimento, tudo tem a ver com tudo. Ora, tudo em ciência se monta com base na experimentação e acontece que dois senhores cientistas, Waage e Guldberg (1864) descobriram (trocando por miúdos) que a velocidade com que uma reacção se dava era directamente proporcional à concentração dos reagentes, ou seja, que se tivermos uma reacção do tipo A + B à C + D, a velocidade, v, de formação de C e D é dada por

v = k × [A] × [B] ,

onde k é uma constante, a que chamamos cinética (que vem de velocidade). Note-se: isto é uma observação experimental, não é nada inventado. O que é inventado são os símbolos A, B, etc., que servem para nossa orientação. E pronto, achou-se uma regra, como aquelas dos números, e deu-se-lhe o nome “Lei da Acção de Massas”. Também podemos escrever esta lei para a decomposição de C e D, que leva um sinal “menos” porque a outra levou um sinal “mais” invisível (novamente para nos orientarmos):

v’ = – k’ × [C] × [D] .

À medida que o tempo passa, no caso de C, por exemplo, há decomposição de A e B (com formação de C) mas também há decomposição de C. No início, é claro, a formação de C é mais intensa do que a sua decomposição (a velocidade de formação é maior que a velocidade de decomposição). Mas a certa altura as velocidades acabarão por ser iguais – o sistema dir-se-á estar em equilíbrio. Isto é muito importante porque, quando a Natureza descansa, nós podemos olhar para ela mais calmamente. Podemos expressar a variação da concentração de C no sistema por d[C]/dt e escrever:


d[C]/dt = k × [A] × [B] – k’ × [C] × [D] .


No equilíbrio, dado que a formação e a decomposição de C têm velocidades iguais, a variação da concentração de C é nula: d[C]/dt = 0. Assim, temos:


k × [A] × [B] – k’ × [C] × [D] = 0 .......ó


ó .......k × [A] × [B] = k’ × [C] × [D] .......ó

k .......[C] × [D]
ó.........---- = --------------------- = Keq
k’ .......[A] × [B]


e definimos uma nova constante, Keq, à qual damos o nome de constante de equilíbrio. Com estas definições em mente torna-se mais fácil explicar cinética enzimática. Não falei ainda de modelos de comportamento porque achei necessária uma pequena introdução de cinética química antes de explicar o comportamento dos enzimas. Fica ainda muito por dizer sobre este tópico mas para já estes conceitos são os mais essenciais. Até à próxima.

quinta-feira, julho 13, 2006

O que fazem um bioquímico e um enzima - numa tarde de Verão!

Um bioquímico, como cientista que é, não pode fazer muito mais que usar modelos que permitam explicar as observações que faz. Como qualquer outro cientista. Um homem observa que uma maçã cai para baixo e nunca para cima. Interroga-se porquê – mas não sabe (provavelmente nunca saberá por que é assim). O mais que pode é imaginar uma força (a que chamará gravítica) que puxa a maçã para baixo, e não para cima. Um bioquímico não está muito interessado numa maçã... mas poderá estar interessado no comportamento de um enzima, por exemplo. O que não deixa de ser curioso é que o primeiro homem pode imaginar que a mesma força puxa o enzima para baixo, dentro de uma célula – é bom que não estejamos parados; na verdade há muito mais a ser puxado para baixo para além do enzima... há outras proteínas, há as próprias células que são também puxadas para baixo (para o limbo de um vaso sanguíneo, por exemplo) e há todos os fluídos, dentro de um corpo, que também são puxados para baixo por essa força que o homem imaginou e a que chamou gravítica...

Mas um bioquímico pode, se lhe apetecer, interessar-se pelo comportamento de um enzima. Muito bem: o comportamento em relação a quê? Bom, o que é que faz um enzima? Aliás, mais importante... o que é um enzima? A resposta mais simples poderá ser a que geralmente aparece nos livros de texto, não há muito a fazer em relação a isso: um enzima é, na maior parte dos casos, uma proteína, um aglomerado de átomos para o qual identificámos uma determinada função (os seres humanos gostam sempre de encontrar finalidades para tudo...). Há uns outros aglomerados de átomos, mas com um arranjo diferente, os ácidos ribonucleicos, que por vezes apresentam actividade catalítica (há quem lhes chame ribozimas) mas isto é apenas terminologia, por uma questão de orientação. De maneira que, grosso modo, lá definimos enzima. Agora o que é que ele faz? Como disse no post anterior, um enzima é um catalisador biológico. Como tal, entra e sai da reacção que catalisa perfeitamente na mesma e – mais importante que tudo – não altera o equilíbrio. Isto quer dizer que não altera a expontaneidade da reacção, a única coisa que faz é com que ela ande mais depressa, ou seja: a ponte 25 de Abril, entre Almada e Lisboa, tem um comprimento de aproximadamente 3 km. Podemos passar a ponte a 50 km/h ou a 100 km/h, a ponte não vai a lado nenhum e as localidades também não! A única coisa que muda é a rapidez com que chegamos ao outro lado. O enzima é o nosso carro. Por muito grande que seja a nossa vontade de chegar ao outro lado, se formos a pé de certesinha que levamos uma eternidade a atravessar a ponte... se formos “catalisados” por um carro chegamos à outra margem muito mais rápido (e a nossa vontade é a mesma!). E pronto, é a mesma coisa com uma reacção catalisada por um enzima. Mas aqui a “vontade” é a tendência para a ocorrência da reacção (medida pelo delta da mesma: quanto mais negativo [considerando o sentido directo da esquerda para a direita] maior a tendência). Essa tendência não muda com a presença do enzima, mas a reacção “anda” mais depressa. Por isso se diz que um catalisador não interfere com o equilíbrio da reacção.

Agora vamos ao comportamento. Um enzima não se comporta bem nem mal... isso são conceitos maniqueístas, não servem para enzimas! Então o que é isso, “comportamento de um enzima”? Será que os enzimas têm livre arbítrio? Não me parece muito plausível... são aglomerados de moléculas, lembram-se? Bem. O comportamento de um enzima é medido pela capacidade que ele tem para fazer o seu trabalho – a catálise. Reparem, um enzima não é bom nem mau em relação a outro. Simplesmente é mais ou menos eficaz por comparação. Um enzima com metade da eficácia de outro não é “pior”, é simplesmente “menos trabalhador” (para um determinado substrato). Esta capacidade de trabalho é geralmente medida por uma constante cuja origem será explicada mais à frente: o número de turnover, kcat. Quanto maior for esta constante para um determinado enzima, maior é a sua capacidade de converter substrato em produto. Esta capacidade está relacionada com a rapidez com que o enzima catalisa a conversão mencionada – logo, pode estar associada ao número de centros activos do enzima (um enzima pode ter mais do que um centro activo – centro activo é o que um bioquímico chama ao local de ligação do substrato no enzima) ou à afinidade do enzima para um determinado substrato. No entanto é preciso ter cuidado com as palavras... é que afinidade e eficiência podem ser coisas diferentes consoante os ouvidos que as ouvem. E selectividade... Mas isso fica para uma outra história. Modelos de comportamento serão, em princípio, o tema do próximo episódio. J

terça-feira, julho 04, 2006

Nota sobre a nomenclatura de enzimas

Os enzimas são frequentemente designados catalisadores biológicos uma vez que aceleram a conversão de reagentes a produtos (A --> P) sem interferirem com o equilíbrio da reacção. Isto significa que, termodinamicamente, a reacção sofre uma redução da energia de activação, Ea, levando a um aumento da sua cinética, ou seja, as quantidades de reagente consumido e de produto formado são iguais com ou sem catalisador, apenas obtemos o produto mais depressa (uma reacção que expontaneamente demoraria 5 horas a ocorrer, por exemplo, leva 5 minutos na presença de um catalisador específico). Esta designação surge por comparação com os catalisadores químicos usados em laboratório. Assim, os enzimas são uma espécie de catalisadores "naturais", dado que são fabricados pelo organismo e não introduzidos nele. Antes de mais, os enzimas são proteínas que podem, ou não, associar-se a um ou mais cofactores (eventualmente necessários à sua activação) e que podem possuir um ou mais centros activos (alosteria). Muitos enzimas alostérios são frequentemente designados de enzimas de regulação, dado que numa cadeia metabólica A --> B --> C --> D, por exemplo, o enzima que catalisa a reacção C --> D pode ser um efector negativo do enzima alostério que catalisa a reacção A --> B. Como? O enzima C-D pode "ligar-se" a um dos centros activos do enzima A-B alterando a sua conformação e, consequentemente, inactivando a sua capacidade de conversão A --> B, interrompendo a cadeia. Este género de situação pode ocorrer quando o fluxo de C for superior ao necessário para a célula, e.g..

Ainda que esteja a cair um pouco em desuso, mantém-se a seguinte nomenclatura enzimática:




Como se pode ver na tabela existem seis grupos principais de catalogação de enzimas, distribuídos por tipo de reacção catalisada. A cada enzima atribui-se, assim, um número, conforme as regras estabelecidas pela Enzyme Commission (EC) criada para o efeito. Por exemplo, o enzima EC 2.3.1.17, aspartato N-acetiltransferase, catalisa a reacção de transferência do grupo acetilo da molécula de acetil-CoA para para uma molécula de L-aspartato:

Acetil-CoA + L-aspartato <=> CoA + N-acetil-L-aspartato

Assim, EC 2.3.1.17 significa:

2. - transferase
2.3. - acetiltransferase
2.3.1. - transferência de grupos que não são grupos amino-acetil
2.3.1.17. - 17º enzima a ser catalogado com estas características

Existem vários tipos de cofactores necessários à activação de enzimas. Muitos cofactores são iões inorgânicos: Zn(2+), Fe(3+), Fe(2+), K(+), etc.; outros podem ser metalorgânicos ou orgânicos: NAD(+), fosfato de piridoxal [PLP], coenzima A [CoA], FAD(+), etc.. Estes últimos são habitualmente designados de coenzimas, um tipo mais especializado de cofactores. Por vezes, ainda, o cofactor encontra-se covalentemente ligado ao enzima (ou, pelo menos, muito fortemente ligado). Tal cofactor recebe o nome de grupo prostético, como se se tratasse de uma "prótese" do enzima. Um enzima cataliticamente activo e ligado ao seu cofactor de activação chama-se holoenzima. A parte proteica do holonzima chama-se apoenzima ou apoproteína.